Magoaste-me de cada vez que me testaste, ora corrigindo textos que ambos sabiamos estarem mais do que correctos, ora duvidando do meu empenho em te conhecer e descobrir; Ou quando te recusavas a ver e receber os mimos que te tentava dar, e, principalmente, quando te esquecias que me conhecias e me julgavas pelos actos de outras; Quando me julgavas leviana no que dizia ou fazia, como se o fizesse de leve ânimo.
Tinhas razão.
Quando te magoam, tu gritas, exasperas, cobras, punes. É essa a tua natureza. É a tua forma de curar feridas, crescer e renascer, ainda mais forte.
Esqueceste-te de que a minha natureza de cachopa-menina, quando me magoam, é a de me fechar em copas e definhar em silêncio? É essa a razão pela qual os meus silêncios são tão perigosos. E, dependendo da magnitude do acto ou da falta de atenção, ou esqueço e perdoo (na minha cabecinha eu é que tinha de perdoar, eu era sempre a vítima), roubando um pedaço à confiança, ou risco a pessoa da minha vida, para nunca mais entrar.
Testaste-me os limites, diverte-te fazê-lo. Gostas de me provocar, de me levar à loucura, de deixar-me cega, de me ver exposta, para depois me içar. Gostas desse poder que exerces sobre mim. Sabes que fico doente por me sentir assim vulnerável e à mercê de alguém. Mas mesmo assim, não te coíbes de o exercer sempre que te apetece.
Só que naquele tempo, eu ainda não tinha desmontado o esquema. E cada provocação, cada alfinetada, cada puxão de orelhas, era, qual menina mimada a quem ninguém pode chamar a atenção, levado a peito. E, como qualquer menina mimada, voluntariosa, caprichosa, com a mania que só faz o que quer, batia o pé, amuava e batia a porta.
Fazia a minha birra, dramatizava, arrependia-me, tentava um agrado ou uma piada, sorria e voltava. Era o que fazia com as outras pessoas. Porque não haveria de o fazer contigo?
Talvez por saberem que tenho bom coração, que não faço isto por maldade, sempre saí impune. E nunca alguém me fez ver que isto que eu fazia, pode magoar ou magoava mesmo. Excepto os meus pais, não com esta clareza. Mas pensei que fossem daquelas coisas que os pais dizem aos filhos, como vê lá se estudas e tiras boas notas.
Magoei-te.
Desiludi-te.
E ainda por cima comportei-me como uma cachopa.
Egoísta, só pensei em mim, na minha dorzinha, nos meus medos, no que estava a sentir, no medo de te perder. Tudo girou à minha volta.
Não vi o quanto te magoei, o quanto te magoava, nem no quanto sofrias. Só consegui ver a minha parte, só consegui ler o que me dizia respeito. Não vi o alcance de tudo o que me dizias, não vi o teu lado, não li a tua parte.
Sempre esteve à minha frente e só agora! me apercebi disso.
Desculpa.
Eu posso pedir-te desculpa as vezes que quiseres, mas sei que não é isso que queres. Queres que tome consciência e que mude. Eu mudo.
Mudo por mim, principalmente. Porque quero crescer.
E mudo por ti, por teres acreditado em mim, por não teres desistido de mim. Não desististe, pois não?...
Sem dúvida, a maior prova que me deste, a que me faltava descobrir e que sempre esteve à minha frente.