Conduzir no centro da cidade é a loucura!
Dá-me a sensação que toda a gente sai de casa às 9h30 para entrar ao serviço às 9h. Tudo acelera, tudo manda vir, tudo buzina.
O semáforo está verde há meio segundo... Pi Piiiii. O senhor de 97 anos demora mais tempo a atravessar a passadeira... Pi Piiii. A viatura da frente prepara-se para efectuar o clássico parar em segunda fila com os quatro piscas a dar a dar... Pi Piii.
Uma orquestra sinfónica de Pi Piiis logo pela manhã! É lindo!
Não quero afirmar, sem ter à frente um estudo sueco que o possa comprovar, mas parece-me que as pessoas envelhecem uns anos nestes minutos que passam agarrados à buzina.
Felizmente trabalho fora do centro da cidade. Deve ser por isso que conservo este ar jovem.
E, como é costume na periferia das grandes cidades, conduzo sem o auxílio da buzina. Até me esqueço deste pequeno extra. Excepto quando vejo uma gajo bom. Aí, agarro-me a ela, à buzina, com toda a força. De preferência, apanhando-o desprevenido. Gosto de os ver dar aquele saltinho de susto. É tão giro!... Não acham?
Foi algo que aprendi com o meu instructor de condução. Aprendi a buzinar aos gajos, a acelerar prego a fundo na eminência de apanhar um amarelo nos semáforos e a moderar a velocidade em paralelo. Ele dizia que ia mandar alcatroar todas as estradas para que eu pudesse dar-lhe calor à vontade. Eu não acreditei. Mas, a verdade, é que ele está a cumprir a promessa. Isto antes de ele ter sido despedido por assédio sexual às alunas. E eu, inocente, que pensava que aquilo era tudo excesso de simpatia. Foi um choque!
Pois hoje encontrei-me completamente perdida no que toca ao protocolo da utilização da buzina no centro da cidade. Mas após um longo período de observação e outro tanto de reflexão, acho que consegui perceber a dinâmica da coisa: a buzina substitui - ou deverá tornar inaudíveis - os insultos que dirigimos - ou gostaríamos de dirigir - ao domingueiro que conduz à nossa frente. Ou seja, funciona como a censura na televisão. Não na nossa, obviamente. Somos um povo descomplexado e descontraído, e não nos chocamos com as barbaridades e palavrões que aquelas figurinhas debitam.
Mas, exemplificando.
Um Seu grandessíssimo filho da p***, já andavas com essa m****. Traduz-se num longo Piiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii, Piiiiiiiiii. Um simples Anda, carago!; Piiiiiiiiiiii. No entanto, se for um Anda, cara***!, o Pi deverá ser cerca de um terço mais longo e dado com muito mais carácter.
E, nestas minhas observações, pude ainda apurar o seguinte:
- as mulheres são mais tímidas nos seus Pis mas fazem-no com mais frequência.
- carros de gama baixa ou mais antigos (vulgo, charroletas) buzinam mais.
- carros comerciais dão Pis mais longos que a média e, frequentemente, trocam Pis entre si.
- os carros pequenos, por norma, não se atrevem a dar Pis aos maiores. Digamos que também no que toca a buzinar, existe uma hierarquia. Ora, a sonoridade das buzinas varia consoante a dimensão da viatura. E estas vão do simples Pi (viaturas pequenas e médias) até ao Póóóóóóóóóóóóó (dos camiões TIR). Isso significa que se formos brindados por um Pi mais grave que o nosso (salvo seja!), devemos enfiar a buzina no saco e não responder. Não é de bom tom.
Fui clara?
Sim, podem chamar-me Brunhild Bobone, especialista em etiqueta do bem buzinar.
Posto isto, e como está frio de rachar e eu não posso ir para a praia, vou levar o carro à inspecção e passar no mecânico para sondar qual será a possibilidade de me instalarem uma buzina de um camião TIR no meu bolinhas.
Eu cá não gosto de ficar atrás de nada ou de ninguém. Da próxima vez que me buzinarem, até vão saltar!