A primeira vez que me chamaram, cara a cara, individualista tinha dezoito anos. Nada mau! Da vez seguinte chamaram-me perigosa, uma bond girl. Tive a reacção que tenho sempre que me dizem um disparate do género: sorrio. Eu, como não sou, nunca fui, fã da dita saga, não percebi o alcance daquele perigosa. Entretanto li umas coisas e desconfio do que a pessoa, no fundo, queria dizer: que eu era individualista.
No entanto, a questão do ser ou não ser, remota à minha infância quando, na pré-primária, as freirinhas chamaram os meus pais ao colégio para discutirem o meu comportamento demasiado fechado. Pelos vistos, não brincava com os outros meninos, fazia desenhos minúsculos numa folha A4, não comunicava ou demonstrava (des)afecto pelos outros e a única altura em viam indícios de alguma sociabilização era quando cantava.
Autismo?!
Hoje, aos 34 anos de idade, já não me chamam de autista ou de individualista. Rotulam-me, de forma simplista, de ter a (puta da) mania.
Mania de quê, gostaria de poder perguntar. Infelizmente, a minha reacção a tais disparates mantém-se.
São trinta anos a sentir-me um peixe fora de água, a não gostar do que os outros gostam, a não valorizar o que os outros gostam, a ser mal interpretada, incompreendida; Trinta anos de solidão, de vazio.
Tanto tempo a sentir-me assim, levou-me a acreditar que não posso buscar nos outros aquilo que não tenho e que preciso. Tornei-me auto-suficiente. Produzo. Mas o que produzo é para consumo próprio. E, às vezes, um pouco partilhado. Com muito poucos, ao contrário do que possa parecer.
Acusam-me de me proteger demasiado e é verdade. Desde cedo senti na pele a leviandade dos humanos, da sua crueldade, da maldade.
Podia ter optado por me armar até aos dentes e encarar a vida como um campo de batalha, em que vale tudo, e ir à luta. Mas não. Preferi construir uma muralha e refugiar-me lá dentro. Isolei-me, num mundo só meu.
No entanto, só há pouco tempo me apercebi da dimensão da minha muralha, aumentada a cada desilusão, e do quanto pode ser frustrante tentar ultrapassá-la, em vão, para chegar até mim.
No fundo, tal como aconteceria se tivesse optado pela primeira hipótese, tentando proteger-me, acabo por magoar.