"Mandar-lhe-ei o meu retrato. Quer? Mas até lá, e para prevenir a hipótese do meu rosto a enganar, vou descrever-lhe desde já o meu péssimo carácter: sou triste, imensamente triste, duma tristeza amarga e doentia que a mim própria me faz rir às vezes. É só disto que eu rio, e aqui tem já V. Ex.a no meu carácter uma sombra negra, enorme, medonha: a hipocrisia!... Porque eu pareço alegre e toda a gente gaba a minha... alegria! Estou já a vê-la, num gestozinho de enfado, amarrotar, irritada, a minha carta, com um vago sentimento de arrependimento por querer conhecer uma criatura assim tão mal dotada. Mas ainda este é o primeiro defeito; o segundo, e para o mundo virtuoso e prático é simplesmente horrível, é o sonhar, sonhar muito, olhar muito além, para longe de todos os que cantam, os que falam, os que riem!... Tenho dias em que todas as pessoas me dão a impressão de pequeninas figuras de papel sem expressão, sem vida."
Florbela Espanca, Correspondência
Nada que um chapéu enterrado fundo na cabeça, uns óculos de sol e uma longa caminhada em silêncio, ao frio e à chuva, por entre desconhecidos, possam ajudar a resolver.
Ninguém faz ideia do efeito que as palavras têm em mim. Se o soubessem, não me inundavam com estórias de outros, com problemas que não o são, com mentiras proferidas com a convicção de que diz a mais pura verdade, quando tudo o que preciso é que me deixem em paz, sozinha e em silêncio.