No meio da multidão, vejo-te. Estás de costas e envergas um casaco igual a tantos outros que também o envergam à tua volta. Mas sei que és tu. Mais ninguém posiciona a cabeça assim em relação ao tronco, é ângulo único.
Dirijo-me a ti.
Aguardo os teus movimentos; Tento perceber se falas ou escutas, se gesticulas enquanto o fazes, se a conversa te interessa. Tento que o teu corpo te denuncie e me diga qualquer coisa: se estás feliz, triste, cansado, bem disposto, o que for. No fundo, tento perceber, enquanto me aproximo, se tu ainda és tu.
Já estou tão perto que já escuto as vozes dos intervenientes na conversa. Mas da tua, nada. Presumo que escutes. O teu corpo ainda nada me disse. O enquadramento é tão perpendicular que o campo de visão nada mais me deixa ver a não ser as tuas costas, as tuas calças de ganga, as tuas sapatilhas - que me sacam um sorriso - e as quebras do teu cabelo.
Dada a minha aproximação, a conversa cessa enquanto me dirigem o olhar. Pressentindo, começas a virar-te. Sustenho a respiração como a preparar o embate. Tu viras-te. Eu acordo.